🌾 IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL (PERGUNTAS E RESPOSTAS, COM O ADVOGADO RURAL RAPHAEL AUGUSTO ALMEIDA PRADO)
A pequena propriedade rural é mais do que um bem patrimonial: é o sustento da família e base da produção agropecuária brasileira.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou seu entendimento sobre a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, mesmo quando o imóvel foi dado em garantia de dívida.
Para esclarecer o tema, conversamos com o advogado Raphael Augusto Almeida Prado, especialista em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário Rural, que explicou os principais aspectos dessa importante proteção legal.
❓ O que significa “impenhorabilidade da pequena propriedade rural”?
Raphael Prado:
A impenhorabilidade é uma proteção legal que impede que a pequena propriedade rural, quando trabalhada pela própria família, seja tomada para pagar dívidas.
Ela está prevista no artigo 5º, inciso XXVI, da Constituição Federal, e reafirmada em diversas decisões do STJ, como no AgInt no AREsp 1677976/SP, julgado em 2022.
Em termos práticos, significa que o produtor rural não pode perder sua terra de subsistência, ainda que o imóvel tenha sido dado como garantia hipotecária em um contrato bancário.
❓ Essa proteção vale mesmo se o produtor assinou uma hipoteca?
Raphael Prado:
Sim. Esse é o ponto central da jurisprudência do STJ.
O Tribunal já decidiu, em vários precedentes, que a pequena propriedade rural continua impenhorável mesmo quando o proprietário oferece o imóvel como garantia.
Isso porque o direito fundamental à moradia e ao trabalho prevalece sobre o pacto contratual.
Em outras palavras, nenhum banco pode leiloar a terra que garante o sustento familiar se ela for considerada uma pequena propriedade rural.
❓ Como o STJ define o que é “pequena propriedade rural”?
Raphael Prado:
O conceito vem do art. 4º, inciso II, da Lei nº 8.629/93: é o imóvel de até quatro módulos fiscais, explorado direta e pessoalmente pela família, servindo de sustento e renda.
O tamanho do módulo fiscal varia conforme o município — pode ir de 5 a 110 hectares.
Portanto, uma propriedade de até quatro módulos, onde o núcleo familiar realiza atividades agropecuárias ou extrativistas, goza de proteção constitucional plena.
❓ O produtor precisa provar que trabalha a terra?
Raphael Prado:
Não necessariamente.
O STJ reconhece uma presunção “juris tantum” (ou seja, relativa) de que a pequena propriedade rural é explorada pela família.
Isso quer dizer que cabe ao credor — o banco, por exemplo — provar o contrário.
Se não conseguir demonstrar que a terra é usada para outros fins, mantém-se a impenhorabilidade.
Essa inversão do ônus da prova protege o produtor, que muitas vezes não tem condições técnicas ou financeiras de comprovar sua atividade de forma documental.
❓ Essa impenhorabilidade se aplica a qualquer tipo de dívida?
Raphael Prado:
Aplica-se, em regra, a todas as dívidas civis e comerciais, inclusive contratos bancários e execuções hipotecárias.
No entanto, há exceções — por exemplo, dívidas trabalhistas de empregados da própria propriedade ou tributos incidentes sobre o imóvel podem gerar execução, desde que respeitados os limites legais.
O essencial é comprovar que a propriedade se enquadra como pequena e é utilizada como meio de vida familiar.
❓ Quais são os principais argumentos usados na defesa judicial?
Raphael Prado:
A defesa se baseia em três pilares:
- Fundamento constitucional: art. 5º, XXVI, da CF, que protege a pequena propriedade rural trabalhada pela família;
- Presunção legal de exploração familiar: conforme o STJ (REsp 1.408.152/PR e AgInt no AREsp 1677976/SP);
- Função social da propriedade rural, garantida pelo art. 186 da CF.
Esses fundamentos mostram que a terra é instrumento de dignidade e de produção, não apenas um ativo financeiro.
❓ O que o produtor rural deve fazer se sua fazenda for penhorada?
Raphael Prado:
Primeiro, deve buscar imediatamente um advogado especializado em Direito Rural.
É essencial verificar o tamanho do imóvel e a exploração familiar, reunindo documentos como certificado de cadastro rural (CAR), nota fiscal de produtor, declaração de ITR e comprovantes de residência.
O advogado poderá ingressar com embargos à execução, ação declaratória de impenhorabilidade ou pedido de tutela de urgência, garantindo a suspensão de leilões e cobranças indevidas.
❓ Como o advogado rural pode ajudar na prática?
Raphael Prado:
O advogado especializado tem o papel de proteger o produtor contra práticas abusivas de bancos, revisar contratos, e atuar preventivamente na regularização fundiária e ambiental.
Ele compreende as especificidades do campo — módulos fiscais, prorrogações de crédito, programas do MCR e aspectos da função social da terra — e sabe como apresentar a defesa correta em juízo.
Essa especialização é decisiva para evitar a perda do imóvel e garantir que a família mantenha seu sustento.
