VENDA CASADA NO CRÉDITO RURAL NA VISÃO DO TJSP: Como a Prática Eleva o Custo Efetivo Total e Viola os Direitos do Produtor Rural
A concessão do crédito rural — instrumento essencial para o financiamento da atividade agropecuária — tem como finalidade estimular a produção, proteger o produtor em períodos de instabilidade e fortalecer o agronegócio nacional. Contudo, nos últimos anos, uma prática recorrente tem sido alvo de diversas decisões judiciais: a venda casada de seguros e serviços acessórios vinculados às operações de crédito rural. Essa conduta, além de ilegal, onera indevidamente o produtor rural e eleva artificialmente o Custo Efetivo Total (CET) da operação.
A prática de venda casada nas operações rurais
A chamada venda casada ocorre quando o banco condiciona a concessão do crédito à contratação de outro produto ou serviço — geralmente seguros de vida, penhor ou agrícola — com empresas do mesmo grupo econômico. Na prática, o produtor não tem liberdade para escolher a seguradora e vê os valores desses prêmios incorporados à dívida rural, muitas vezes sem autorização expressa.
A Lei nº 4.829/1965, que institui o crédito rural, em seu artigo 25, §§1º a 3º, é categórica ao proibir essa prática: as instituições financeiras devem oferecer ao mutuário pelo menos duas opções de apólices de diferentes seguradoras, sendo que uma delas não pode pertencer ao mesmo conglomerado econômico da credora. Além disso, o banco é obrigado a aceitar apólice contratada pelo próprio produtor, desde que emitida por seguradora habilitada.
Apesar dessa previsão legal, diversas instituições — especialmente o Banco do Brasil S/A, conforme demonstram recentes decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) — vêm impondo seguros vinculados às cédulas rurais, prática reiteradamente reconhecida pelo Judiciário como venda casada.
Entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo
Analisamos dezenas de decisões judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os estudos evidenciam uma tendência jurisprudencial sólida no TJSP em defesa do produtor rural. Em diferentes comarcas, como São Paulo e Guararapes, juízes declararam a nulidade das cobranças de seguros compulsórios e condenaram os bancos à devolução dos valores cobrados indevidamente, muitas vezes em dobro.
Em um dos casos (Processo nº 1002075-64.2020.8.26.0011), o juiz Rogério de Camargo Arruda reconheceu que o Banco do Brasil contratou seguro sem autorização do produtor e incluiu os valores indevidos na execução da cédula rural. A sentença foi clara ao afirmar que a instituição “não poderia restringir a contratação de seguro a produtos de seguradoras por ela indicadas”, configurando, portanto, venda casada expressa.
Em outra decisão (Processo nº 1002338-52.2023.8.26.0218), a juíza Karina Akemi Nakayama reconheceu a inexigibilidade de seguros de vida e penhor impostos pela instituição financeira, determinando a restituição em dobro dos valores pagos. A magistrada fundamentou a decisão no artigo 25 da Lei do Crédito Rural, enfatizando que o banco não apresentou prova de que ofereceu ao mutuário “duas opções de apólice de seguradoras diferentes”.
O mesmo entendimento foi adotado em casos posteriores (Processos nº 1002413-91.2023.8.26.0218 e nº 1002995-91.2023.8.26.0218), nos quais o TJSP confirmou a ilegalidade da cobrança de seguros não contratados e a inexistência de relação jurídica válida, condenando o banco a indenizar o produtor rural pelos valores exigidos indevidamente.
Impacto da venda casada no custo efetivo total (CET)
A imposição desses seguros afeta diretamente o Custo Efetivo Total do crédito rural — indicador que representa o custo real da operação, incluindo juros, tarifas e encargos. Quando o banco adiciona prêmios de seguros não contratados ou impõe seguradoras do mesmo grupo, o CET deixa de refletir o custo verdadeiro do crédito, violando o dever de transparência e boa-fé objetiva previsto no art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, por analogia, e nos princípios gerais do direito contratual agrário.
Além disso, o produtor rural é frequentemente surpreendido ao perceber que parte relevante do valor financiado foi absorvida pelo custo desses seguros obrigatórios. O efeito prático é a redução da liquidez do crédito, o aumento do endividamento e a distorção da finalidade social do crédito rural, que deveria fomentar a produção e não gerar lucro acessório para o agente financeiro.
O que diz a lei e como o produtor pode reagir
O art. 25 da Lei nº 4.829/65, com redação dada pela Lei nº 13.195/2015, é a base legal que garante ao produtor o direito de escolher a seguradora e de recusar produtos vinculados. A violação dessa norma autoriza a declaração de nulidade das cobranças, a restituição dos valores pagos indevidamente e, em casos de má-fé, a devolução em dobro.
Os produtores que identificarem essa situação em suas cédulas rurais devem buscar assessoria jurídica especializada em Direito Agrário e Bancário, munidos dos contratos e extratos de pagamento. A jurisprudência recente demonstra que os tribunais estão atentos à proteção do crédito rural e à conduta abusiva das instituições financeiras, reconhecendo que o produtor não pode ser compelido a contratar produtos fora de sua necessidade.
Considerações finais
A venda casada no crédito rural representa uma violação grave à livre concorrência, à boa-fé contratual e ao princípio da função social do crédito rural. O posicionamento consolidado do Tribunal de Justiça de São Paulo reforça a importância de se combater tais práticas, que não apenas comprometem o equilíbrio contratual, mas agravam o endividamento do produtor rural, especialmente em tempos de crise climática e oscilação de preços das commodities.
A Almeida Prado Advocacia Rural atua na defesa de produtores e empresas do agronegócio em todo o país, com foco na revisão de contratos de crédito rural, prorrogação de dívidas, ações revisionais e anulação de cláusulas abusivas que elevam o custo do crédito e comprometem a continuidade da atividade rural.

