Evolução legislativa da Lei de Parcelamento de Solo Urbano
Raphael Augusto Almeida Prado
O processo de desenvolvimento urbano está intimamente ligado à ideia de industrialização, cujo fenômeno induziu o crescimento demográfico das cidades durante a Revolução Industrial e, por conseguinte, os problemas decorrentes da falta de planejamento urbano.
Ao longo do processo histórico-econômico de industrialização, com a chegada maciça de camponeses nos centros urbanos, a burguesia passou a se incomodar com a presença de operários, o que motivou a criação de conjuntos habitacionais nos subúrbios.
Esse movimento, notadamente em Paris, fez com que os centros passassem a ser ocupados pelo comércio e por outras atividades empresariais, gerando intensa especulação imobiliária, com a realização de “empreendimentos” nos quais os empreendedores muito prometiam, mas nada realizavam, resultando em problemas sociais que acabavam se tornando responsabilidade do Estado.
Nesse contexto, o Parlamento francês decidiu elaborar a primeira lei de parcelamento de solo urbano, que serviu de inspiração para legisladores de boa parte da Europa Ocidental, responsabilizando os loteadores pela implantação de áreas para equipamentos públicos e vinculando a realização do parcelamento à obtenção de licenças.
No Brasil, o fenômeno do êxodo rural passa a ocorrer a partir de 1890, pós abolição da escravidão, com a chegada de imigrantes europeus.
A cidade de São Paulo, a partir de 1930, começa a experimentar um crescimento exponencial e desorganizado de moradores, ocupando cortiços em condições extremamente precárias, próximas às áreas industriais.
Registre-se que até então o Brasil não possuía legislação para regulamentar o parcelamento de solo, havendo apenas a figura do Código Civil de 1916 (Código Beviláqua), insuficiente para modular os efeitos dessa frenética expansão.
A exemplo da França, também no Brasil surgiu a especulação imobiliária nas áreas próximas aos centros urbanos, destinadas aos operários.
O art. 1.088 do CC/16 permitia o arrependimento nos contratos de compra e venda de imóveis e, em razão dessa permissão, as loteadoras desistiam do negócio conforme se dava a valorização dos lotes, deixando os adquirentes à mercê da própria sorte e abarrotando o Poder Judiciário com demandas que tinham por objeto a questão do arrependimento na compra e venda de lotes a prazo.
O Decreto-lei 58/1937, hoje utilizado apenas para o loteamento em áreas rurais, passou a obrigar o loteador a aprovar o projeto de loteamento perante o Município e registrá-lo no Registro de Imóveis, acompanhado de certidões comprobatórias da idoneidade do empreendedor e da liquidez do domínio.
Foi com o Decreto-lei 58/37 que surgiu o compromisso de compra e venda, necessariamente celebrado em caráter irrevogável e irretratável, evitando, assim, o arrependimento imotivado dos contratos e controlando a especulação imobiliária por parte dos empreendedores do ramo.
O loteador passou a ter que arquivar no Registro de Imóveis um contrato-padrão de compromisso de venda e compra, prevendo, dentre outras cláusulas, a vedação ao arrependimento, o trespasse e o direito real de aquisição mediante o registro na transcrição.
Referido Decreto foi regulamentado pelo Decreto 3.079/38 quanto à documentação e os procedimentos registrais de loteamentos em imóveis urbanos e rurais.
Já em 1967, com o advento do Decreto-Lei n. 271, surgiram conceitos mais sofisticados, como o loteamento e o desmembramento, sendo tal diploma destinado apenas às áreas urbanas.
Surgiram as figuras do loteamento irregular e clandestino. O primeiro, então caracterizado pelo empreendimento que foi aprovado pelo município mas não foi levado a registro; o segundo, mais grave, quando sequer obteve aprovação municipal.
Hoje, enquadra-se como loteamento irregular aquele que, embora aprovado e registrado, não concluiu as obras de infraestrutura.
Veja-se que tais normas vanguardistas, ao implementarem normas cogentes ao empreendedor imobiliário, salvaguardaram os interesses legítimos dos adquirentes, incrementando a segurança jurídica no tráfego negocial de lotes resultantes de parcelamento de solo urbano, assumindo papel preponderante no desenvolvimento econômico-social das cidades.