Créditos de Carbono e o Agronegócio
Raphael Augusto Almeida Prado
O que é o crédito de carbono?
Os créditos de carbono podem ser definidos como o ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado.
Origens conceituais do crédito de carbono
A crescente preocupação com o meio ambiente equilibrado resultou em alguns diplomas legais estrangeiros importantes para a compreensão do mercado de carbono, a saber: a Convenção de Estocolmo (1972), o Relatório Brudtland (1987); a Declaração do Rio (1992); e a Resolução UNGA n. 76/300.
Tais documentos trouxeram à baila questões como os limites do desenvolvimento econômico, sustentabilidade e justiça social, norteando a criação de princípios em matéria ambiental.
Dentre os princípios de direito ambiental necessários para a correta compreensão do mercado de créditos de carbono, destacam-se os seguintes: (i) precaução; (ii) prevenção; (iii) poluidor-pagador; e (iv) solidariedade intergeracional.
O meio ambiente saudável é direito do ser humano. O ordenamento jurídico brasileiro incorpora essa noção no art. 225 da Constituição Federal de 1988, ao passo que o Código Florestal estabelece diretrizes para a tutela efetiva do meio ambiente.
Meios de tutela do meio ambiente
A tutela do meio ambiente pode ser compreendida mediante a análise de duas frentes.
A primeira forma de tutela ambiental é atinente à questão da responsabilidade ambiental, com implicações nas esferas cível, criminal e administrativa, cada qual com suas peculiaridades (sistema de comando, controle e responsabilidade).
No modelo punitivista, o Estado verifica a ocorrência da infração ambiental e atua de modo a impor sanções à conduta do agente infrator. Contudo, esse sistema de comando e controle por si só é pouco eficiente, pois o aparato de fiscalização demanda muitos recursos.
A segunda e mais moderna forma de tutela do ambiental tem como fundamento a criação de incentivos financeiros para o cumprimento das regras de proteção ambiental (pagamento por serviços ambientais – PSA). Nesse modelo, verifica-se a autorregulação dos agentes, que passam a ser denominados protetores-recebedores.
É no contexto do Pagamento por Serviços Ambientais que está inserido o mercado de crédito de carbono, ao lado de outros mecanismos, como compensação de reserva legal, Eco Tax (v.g. possibilidade de isenção de ITR sobre as áreas de reserva legal e de proteção permanente) e outros serviços.
Regulamentação do Pagamento por Serviços Ambientais
Embora o Código Florestal já previsse a questão do PSA no art. 41, a regulamentação do tema veio apenas com a Lei 14.119/21, que institui uma Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, define conceitos, objetivos, diretrizes, ações e critérios de implantação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), institui o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA) e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PFPSA), além de dispor sobre os contratos de pagamento por serviços ambientais, que podem ser celebrados entre entes públicos e privados, sendo esta uma peculiaridade da legislação brasileira, pois no direto comparado, geralmente o agente preservador deve negociar o PSA diretamente com o Estado.
O mercado de créditos de carbono
O mercado de carbono foi efetivamente criado pela Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), pelo Protocolo de Quioto e pelo Acordo de Paris.
Pelo Protocolo de Quioto, os países em desenvolvimento passariam a receber investimentos de países mais desenvolvidos para financiar projetos de proteção ambiental como objetivo de mitigar as emissões de carbono.
Já pelo Acordo de Paris, o Brasil, na qualidade de signatário dos três diplomas legais, propôs combater ao desmatamento ilegal, usar de biocombustíveis e recuperar pastagens degradadas.
Tanto na Convenção Quadro quanto no Protocolo de Quioto, o mercado de carbono é chamado de “mecanismo de desenvolvimento limpo”. O Acordo de Paris, por seu turno, cria um mecanismo global de troca de certificados de créditos de carbono entre os países, tanto de forma regulada quanto de forma voluntária.
Modalidades do mercado de carbono
Há basicamente duas modalidades do mercado de crédito de carbono.
O mercado de carbono regulado é aquele previsto em lei e trabalha com as reduções certificadas de emissão pelo próprio Estado, enquanto o mercado voluntário é criado e certificado pela iniciativa privada.
Hoje, o mercado de carbono voluntário é maior do que o regulado, embora existam poucas empresas certificadoras, das quais destacam-se a Verra, Gold Standard, American Carbon Registry e Climate Action Reserve.
Nessas métricas de certificação ainda falta algo mais específico para o clima tropical e para a agricultura, pois tais empresas têm expertise maior em países já desenvolvidos e industrializados.
O Decreto Federal n. 11.075/22 cria setores que farão parte do mercado regulado de créditos de carbono, a saber: energia, mineração, transporte, indústria de transformação, indústria de base, indústria de celulose, construção civil e agropecuária, sendo que cada setor deverá elaborar a sua própria metodologia (Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas).
O Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (Plano ABC+), elaborada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e publicada na Portaria nº 471, a fim de instituir o Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (“Plano ABC+”), para o período de 2020 a 2030.
Entre as metas destacadas pelo Plano ABC+ a serem alcançadas até 2030, está a de ampliar: em 30 milhões de hectares, as áreas destinadas à adoção de práticas para recuperação de pastagens degradadas; em 12,58 milhões de hectares as áreas voltadas à adoção de sistemas de plantio direto; e em 10,10 milhões de hectares as áreas com adoção de sistemas de integração.
A norma prevê também a ampliação, em até 4 milhões de hectares, de áreas com adoção de Florestas Plantadas, bem como a ampliação de 13 milhões de hectares de áreas com adoção de Bioinsumos.
Ademais, visa ampliar em 3 milhões de hectares áreas com adoção de Sistemas Irrigados, bem como, aproximadamente, em 200 milhões de metros cúbicos a adoção de Manejo de Resíduos da Produção Animal, e, também, em 5 milhões os bovinos em terminação intensiva.
O Decreto Federal n. 11.075/22 não respondeu a algumas questões jurídicas importantes, a começar pela própria natureza jurídica do crédito de carbono.
Tal Decreto o conceitua como um “ativo financeiro ambiental transferível”, enquanto a Resolução BACEN 3.291/05 o define como um serviço; o Decreto Federal 18.187/09 (Lei de Mudanças Climáticas) o define como um ativo mobiliário, e a CVM diga não se tratar de um ativo mobiliário. Ora, se considerado como serviço, seria tributável pelo ISS? Essa questão deverá ser equacionada pela doutrina e jurisprudência ou pelo próprio Poder Legislativo, de modo a permitir o franco desenvolvimento desse mercado.
APP, Reserva Legal e Créditos de Carbono
Pode haver emissão de certificados de crédito de carbono sobre áreas de preservação permanente e reserva legal?
Veja que a reserva legal da Amazônia é de 80%, o que inviabilizaria grande parte dos PSAs na região.
O Código Florestal possibilita, sim, que as áreas de reserva legal e de proteção permanente integrem projetos de PSAs (art. 41, § 4º), o que é bastante proveitoso para o produtor rural.
O Brasil precisa se apressar e trabalhar para o desenvolvimento desse segmento, uma vez que o país tem o potencial de ser um dos principais mercados do mundo, especialmente, por ter um agronegócio pujante e a segunda maior reserva florestal em área do globo.