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O registro especial do parcelamento de solo urbano e sua dispensa

Raphael Augusto Almeida Prado

O parcelamento de solo urbano possui um procedimento especial dentro do registro de imóveis, não seguindo a regra geral do Protocolo, Qualificação e Registro lato sensu (registro e averbação).

Vale lembrar que a norma, objetivando proteger o adquirente, define, principalmente, regras sobre o local, requisitos e forma de venda dos lotes oriundos de loteamento.

Em razão dessa proteção adicional conferida aos adquirentes pelo legislador na Lei 6.766/79, é que se dá a necessidade de haver um procedimento especial e rigoroso no âmbito do registro de imóveis.

Tal necessidade é historicamente justificada diante dos incontáveis empreendimentos irregulares espelhados pelo Brasil, que violam não só os direitos dos adquirentes, pessoas leigas no trato imobiliário, como também violentam as normas urbanísticas e ambientais, sendo o parcelamento irregular do solo uma das grandes mazelas sociais resultantes do adensamento demográfico urbano decorrente do êxodo rural.

Os loteamentos somente podem ser instalados em áreas inseridas no perímetro urbano, áreas de expansão urbana ou áreas de urbanização específica, geralmente distantes do núcleo urbano principal, mas já com características e adensamento demográfico próprios das cidades, lembrando que os loteamentos rurais deverão seguir as regras do Decreto 58/37 e as instruções normativas do INCRA, devendo obedecer a fração mínima de parcelamento.

As zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica serão definidas por lei ou plano diretor municipal, não bastando, para fins registrais, meras certidões emitidas pela prefeitura.

Conforme a redação dos incisos do parágrafo único do art. 3º da Lei 6.766/79, não se permite a implantação de loteamentos em terrenos alagadiços, contaminados, que apresentem declive igual ou superior a 30%, onde as condições geológicas não permitam a edificação ou em áreas de preservação ecológica ou sem condições sanitárias.

De todas essas condicionantes sobre o local do empreendimento, a única que não se admite modificar é a relativa às condições geológicas desfavoráveis, sendo que as demais admitem saneamento.

Consigna-se que o loteamento ocorre em duas etapas. A primeira delas se dá perante o município, que fornece ao empreendedor as diretrizes de uso e ocupação do solo. Após a indicação das diretrizes municipais, o empreendedor apresenta o projeto de loteamento, de acordo os parâmetros urbanísticos estabelecidos pelo Poder Público Municipal.

Munido do projeto aprovado pelo município e do cronograma de obras ou do termo de verificação de obras, deverá o empreendedor apresentá-lo ao registro de imóveis dentro de 180 dias, sob pena de caducidade da aprovação.

O projeto deverá estar acompanhado de todos os documentos elencados no art. 18 da Lei 6766/79.

Estando a documentação em ordem, deverá o oficial de registro de imóveis comunicar à Prefeitura e publicar em três dias consecutivos o edital com resumo e croqui dá área parcelada, o qual poderá ser impugnado no prazo de quinze dias, contados da última publicação.

Não havendo impugnação, ocorrerá o registro do loteamento.

Por outro lado, havendo impugnação, o oficial intimará o requerente e a Prefeitura Municipal (ou o Distrito Federal, quando o caso), para que se manifestem no prazo de cinco dias, sob pena de arquivamento.

Com as manifestações do requerente e do Município, o oficial encaminhará os autos ao juízo competente e, após a manifestação do Ministério Público, este decidirá após instrução sumária ou, em casos de maior complexidade, remeterá à via ordinária.

O § 4º do art. 19 da Lei 6.766/79 estabelece multa de dez vezes o valor dos emolumentos regimentais fixados para o registro, caso o oficial não siga o procedimento especial previsto para o parcelamento do solo, sem prejuízo de demais cominações penais, civis e administrativas cabíveis.

O registro do loteamento deverá ser comunicado ao município por certidão, mesmo porque, a partir do registro, as vias, praças, espaços livres e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos relacionados no projeto e no memorial descritivo do empreendimento passam a integrar o domínio do município.

Por estarem geralmente os loteamentos inseridos em área de expansão urbana, muitas vezes próximas dos limites do município, não é raro acontecer de o projeto ultrapassar as divisas daquele município, necessitando da aprovação dos demais.

Nessa hipótese, tratada pelo art. 21 da Lei 6.766/79, o registro primeiramente será requerido perante o registro de imóveis da circunscrição da área maior e assim sucessivamente, comprovando o registro na circunscrição anterior, não se admitindo o pedido simultâneo de registros do mesmo loteamento em diferentes circunscrições, sob pena de nulidade.

Havendo cancelamento de registro em qualquer circunscrição imobiliária, haverá o cancelamento dos demais, exceto se o motivo do indeferimento não se estender à outra circunscrição, e um lote jamais poderá estar situado em mais de uma circunscrição.

O cancelamento do registro dar-se-á nas hipóteses elencadas no art. 23, quais sejam: decisão judicial, a pedido do loteador com a anuência do município ou do Distrito Federal; a pedido conjunto do loteador e do município ou do Distrito Federal, se não houver lotes alienados; e a requerimento do loteador e dos adquirentes, com anuência do município ou do Distrito Federal e do Estado.

O registro especial do parcelamento de solo urbano também possui uma peculiaridade do ponto de vista da publicidade, porquanto o processo de loteamento e os contratos depositados em cartório poderão ser examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, independentemente do pagamento de custas ou emolumentos, ainda que a título de busca, admitindo-se, por exemplo, que qualquer interessado possa se dirigir ao cartório e consultar in loco os documentos.

Não restam dúvidas de que, em se tratando de parcelamento de solo urbano, especialmente da figura do loteamento, na qual há a figura do empreendedor e o desejo de comercialização de lotes a um público indeterminado, o registro especial é indispensável.

Contudo, dúvidas surgem quando se trata de pretensão de desmembramento, figura que surge quando não há a necessidade de abertura ou prolongamento de vias públicas execução de obras ou melhoramentos públicos.

Nesses casos, deverá o operador do direito agir com cautela redobrada, pois é possível que se pretenda sutilmente burlar a Lei 6.766/79, devendo buscar orientação nas Normas da Corregedoria e na jurisprudência local.

De acordo com o item 165 das Normas de Serviços Extrajudiciais da Corregedoria do Estado de São Paulo, o registro especial poderá ser dispensado nos seguintes casos: a) as divisões “inter vivos” celebradas anteriormente a 20 de dezembro de 1979; b) as divisões “inter vivos” extintivas de condomínios formados antes da vigência da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979; c) as divisões consequentes de partilhas judiciais, qualquer que seja a época de sua homologação ou celebração; d) os desmembramentos necessários para o registro de cartas de arrematação, de adjudicação ou cumprimento de mandados; e) quando os terrenos tiverem sido objeto de compromissos formalizados até 20 de dezembro de 1979, mesmo com antecessores; e f) quando os terrenos tiverem sido individualmente lançados para o pagamento de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para o exercício de 1979, ou antes.

Fora dessas hipóteses autorizadoras da dispensa de registro especial, o oficial deverá analisar algumas circunstâncias, como a eventual transferência de bens para o domínio público; a existência de prévia e recente transferência de área ao poder público destinada a arruamento, que tenha segregado o imóvel; resulte em até dez lotes; resulte entre onze e vinte lotes, mas seja servido por rede de água, esgoto, guias, sarjetas, energia e iluminação pública, o que deve ser comprovado mediante apresentação de certidão do município; não ocorram desmembramentos sucessivos suspeitos.

Em caso de dúvida sobre a legalidade do parcelamento, o oficial não deverá promover o registro, mas sim submeter o requerimento para apreciação da Corregedoria Permanente, atentando-se, também, para a vedação do registro de alienação voluntária de frações ideais com localização numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento de solo urbano, exceto para os casos de sucessão causa mortis, nos termos do item 166 das sobreditas Normas.

Assim, conforme orientação do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), há que se verificar se existe a intenção de transformar o desmembramento em um empreendimento imobiliário[1].


[1] https://www.irib.org.br/noticias/detalhes/parcelamento-do-solo-urbano-desmembramento-registro-especial