Procedimento de Dúvida
Raphael Augusto Almeida Prado
Quando um título ingressa no registro de imóveis (Protocolo), deverá ser qualificado pelo oficial. Não estando em conformidade com a lei, deverá o oficial emitir uma nota devolutiva, determinando à parte que sane as pendências.
Caso a parte interessada não esteja conformada com as exigências apontadas pelo oficial, poderá requerer que ele suscite a dúvida perante o juiz competente.
Ao suscitar dúvida, o oficial deverá informar as razões pelas quais entende que o título não pode ser registrado, podendo a parte impugnar as razões do oficial, trazendo os argumentos que entender pertinentes.
Sendo procedente a dúvida, dar-se-á razão ao oficial, promovendo-se o cancelamento do Protocolo; sendo improcedente, deverá promover o registro do título. Alguns diplomas legais previstos em lei admitem que o oficial suscite dúvida de ofício, ou seja, independentemente de requerimento da parte.
Alguns Estados admitem a figura da dúvida inversa, mecanismo que fica à disposição da parte interessada inconformada, que provoca diretamente o Poder Judiciário para manifestação em caso de recusa do oficial em promover a dúvida.
Nesses casos, o juiz intima o oficial para manifestação. Sendo procedente a dúvida inversa, a parte interessada tem razão, devendo-se promover o registro; sendo improcedente, assistirá razão ao oficial.
Há Estados que admitem, nas Normas, que o tabelião participe do procedimento de dúvida, defendendo o título desqualificado pelo oficial na condição de amicus curiae.
O procedimento de dúvida encontra previsão legal nos artigos 198 a 204, 207 e 296 da Lei de Registros Públicos, e no art. 1.496 do Código Civil.
Note-se que as exigências feitas pelo oficial devem ser feitas por escrito.
Havendo suscitação de dúvida, o oficial deverá, à margem da prenotação, anotar a sua ocorrência, além de certificar, no título, a prenotação a suscitação da dúvida e dar ciência ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la, no prazo de quinze dias, perante o juízo competente, que julgará por sentença, comportando apelação com efeitos devolutivo e suspensivo.
A sentença proferida no procedimento de dúvida tem natureza administrativa.
Embora as dúvidas mais comuns refiram-se às atividades do oficial de registro de imóveis, existe a possibilidade de suscitação de dúvidas contra a decisão do tabelião de notas de não lavrar escritura, o que ocorre com base no art. 30, inc. XII, da Lei 8.935/94, que estabelece como um dos deveres do notário e do oficial de registros o encaminhamento ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados. Exemplo disso é quando o tabelião se nega a lavrar escritura declaratória da usucapião.
Como se vê, o procedimento de dúvida é o instrumento que o legislador colocou à disposição do interessado em obter do oficial determinado ato de registro lato sensu, o que inclui, a meu ver, a averbação, na medida em que a Lei de Registros Públicos não criou óbices para tanto, não podendo o oficial restringir um direito reconhecido por lei.
Contudo, é possível que o oficial entenda pela impossibilidade de suscitação de dúvidas contra ato denegatório de averbação, cabendo então um pedido de providências a ser direcionado pela parte interessada diretamente ao juízo competente
No Estado de São Paulo, o juiz competente será o Juiz Corregedor Permanente, sendo que na Capital essa função é exercida pelo juízo da 1ª Vara de Registros Públicos. Após a abertura de vistas aos Oficial e ao Ministério Público, o juiz apreciará o mérito e se pronunciará a respeito, admitindo ou não a averbação.
Por se tratar o pedido de providências de procedimento de natureza administrativa, o recurso será endereçado ao Corregedor Geral de Justiça, não cabendo recursos aos Tribunais Superiores.
Ademais, a via judicial estará sempre aberta ao interessado, nos termos do art. 204 da LRP, excetuando-se a possibilidade de manejo de mandado de segurança, que não cabe nem contra os atos denegatórios de registro, nem contra os de averbação, por faltar direito líquido e certo ao interessado. Confira-se:
Mandado de Segurança. Falta de interesse de agir. Hipótese em que o impetrante pretende compelir o Oficial de Cartório de Registro de Imóveis a efetuar registro de cédula rural na matrícula de imóvel. Adequado para a espécie o procedimento o art. 198, da Lei de Registros Públicos (Dúvida). Em caso de recusa ou omissão do Oficial, nada impediria a suscitação de dúvida inversa. Recurso desprovido. TJSP- APELAÇÃO N° 298.671.4/6- São João da Boa Vista Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, d.j. 22/04/08
MANDADO DE SEGURANÇA – AVERBAÇÃO DA CONSTRUÇÃO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS – CERTIDÃO DE ‘HABITE-SE’ – SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA – NÃO OCORRÊNCIA – MANDADO DE SEGURANÇA UTILIZADO COMO SUBSTITUTO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – IMPOSSIBILIDADE. O manejo da ação de índole constitucional não se revela hábil a suprimir a suscitação de dúvida disposta na Lei de Registros Públicos, sob pena de se banalizar o uso do mandado de segurança, situação que torna imperiosa a extinção do processo sem resolução do mérito, em obediência ao disposto no artigo 5ª, I, da Lei 1.533/51.” (Apelação Cível nº 1.0290.04.018185-8/001 – Relator Des. Edilson Fernandes – j. 19/12/2006).
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA -EXIGÊNCIA FEITA POR OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS – DECLARAÇÃO DE DÚVIDA – ART. 198 DA LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS – MANDADO DE SEGURANÇA – NÃO CABIMENTO – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. O mandado de segurança não é o meio adequado para se discutir exigência feita por Oficial do Registro de Imóveis, como condição para o registro do título, devendo a questão ser dirimida através de declaração de dúvida, conforme previsão contida no artigo 198 da Lei dos Registros Públicos. Aplicação do art. 5º, II, da Lei 1.533/1951. TJMG- COMARCA DE GUARANÉSIA – Número do processo:1.0283.06.006138-1/001(1) Data do Julgamento: 17/07/2007 Data da Publicação: 28/08/2007